Território, Meio Ambiente e Saúde Indígena: a urgência de ações integradas
Para os povos indígenas, o território não é apenas um espaço geográfico, mas a base de sua identidade, cultura e sobrevivência. Em suas cosmovisões, não há separação entre terra, sociedade, cultura e os seres encantados que habitam esses locais sagrados. É ali que se encontram os recursos essenciais para a vida – a água, o alimento, a energia – e onde se desenvolvem os laços sociais, a organização comunitária e as tradições ancestrais.
Com essa perspectiva, Paulo Cesar Basta, pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), trouxe à 363ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), realizada em 12/2/25, os resultados de sua pesquisa sobre os impactos do mercúrio nas comunidades amazônicas.
Ele enfatizou que a relação profunda dos povos indígenas com a terra tem sido severamente ameaçada pelo avanço desenfreado da exploração econômica, movida por interesses do agronegócio, da mineração e do setor energético. Esses setores transformam florestas em commodities e ignoram os conhecimentos indígenas sobre sustentabilidade, acelerando a destruição ambiental.
Desmatamento, avanço do garimpo e adoecimento
Os efeitos dessa exploração não se limitam aos territórios tradicionais dos povos indígenas, mas estão intrinsecamente conectados à crise climática global. O mapa da Amazônia Legal, mostra que a expansão do garimpo na Amazônia seguiu diferentes momentos ao longo da história, mas um ponto comum entre os territórios indígenas Caiapó, Munduruku e Yanomami foi o aumento abrupto da devastação a partir de 2016, com a mudança na condução política no Brasil.
Dados recentes revelam que, apenas na Terra Indígena Caiapó, mais de 5.000 hectares – o equivalente a 5.000 campos de futebol – foram destruídos pelo garimpo ilegal. Na Terra Munduruku, esse número chega a 15.000, enquanto na Yanomami são aproximadamente 500. Além da degradação ambiental, a mineração ilegal tem gerado uma crise sanitária sem precedentes, principalmente na Terra Yanomami.
Um levantamento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica identificou mais de 4.000 pontos de garimpo ilegal em toda a bacia amazônica, liberando anualmente cerca de 150 toneladas de mercúrio nos rios da região. Esse metal pesado, embora presente naturalmente na crosta terrestre, torna-se extremamente tóxico quando mobilizado pela atividade humana, contaminando a água, os solos e impactando severamente a saúde das populações indígenas e ribeirinhas.
“O excedente de mercúrio despejado no rio não se mistura na água, pois sua densidade é 13 vezes maior. Em vez disso, ele se deposita no fundo do leito, onde bactérias o transformam em metilmercúrio, uma forma orgânica que entra na cadeia alimentar, contaminando peixes, algas, crustáceos e outros animais aquáticos. Quando os humanos consomem esses peixes, acabam ingerindo o mercúrio, tornando o pescado o principal veículo de contaminação, enfatizou Paulo Cesar Basta.
O coordenador do grupo de pesquisa “Ambiente, Diversidade e Saúde” da Fiocruz destacou duas principais linhas de investigação sobre os impactos do mercúrio na Amazônia. Um dos projetos estuda os efeitos dessa contaminação em áreas protegidas e povos da floresta, com pesquisas em três territórios indígenas: Yanomami, Sawré Muybu (do povo Munduruku) e Sete de Setembro (do povo Suruí, em Rondônia). Além disso, ele coordena um estudo longitudinal iniciado em outubro de 2023, que acompanha gestantes e recém-nascidos indígenas expostos ao mercúrio.
A pesquisa conta com a colaboração de equipes multidisciplinares e profissionais do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Tapajós, que atuam diretamente no atendimento à população da Terra Indígena Munduruku, uma das mais afetadas pela contaminação e pela expansão do garimpo ilegal.
A pesquisa começou quando a Associação Indígena Pariri, que representa o povo Munduruku do Médio Tapajós, solicitou apoio para entender as consequências do mercúrio, após um aumento de crianças nascidas com malformações e problemas neurológicos na última década.
O caso remete ao desastre da Baía de Minamata, no Japão, onde a contaminação por mercúrio causou uma epidemia de deformidades e levou à criação da Convenção de Minamata, ratificada pelo Brasil em 2018. A carta da associação chegou à Fiocruz, motivou a criação do projeto sobre o impacto do mercúrio em áreas protegidas, reunindo pesquisadores, instituições e lideranças indígenas.
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