Novo estudo aponta desigualdades no acesso ao parto hospitalar no Brasil
Publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas, o artigo de pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) aponta que 1 em cada 4 mulheres (25,4%) precisou sair do município para dar à luz em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), aumentando de 23,6% para 27,3% no período analisado. A distância e o tempo de viagem também cresceram 31,1% (54,0 km para 70,8 km) e 33,6% (63,1 min para 84,3 min), respectivamente.
O levantamento, que mapeou mais de 6,9 milhões de partos nos intervalos de 2010–2011 e 2018–2019, reforça a existência das desigualdades no acesso ao parto hospitalar no Brasil e sugere que o acesso geográfico pode influenciar negativamente os desfechos de saúde.
Intitulado ‘Geographic accessibility to hospital childbirths in Brazil (2010–2011 and 2018–2019): a cross-sectional study’, o texto destaca que o problema é mais grave no Norte e Nordeste, onde as gestantes percorrem as maiores distâncias (entre 57km e 133 km) e enfrentam mais dificuldades de acesso (entre 54 e 355 min). A coordenadora do estudo, Bruna Fonseca, destaca a presença dessas diferentes realidades entre as regiões do país. “Para efeito de comparação, no Sudeste e no Sul do Brasil, essas viagens costumam ser bem menores: elas podem variar entre 37 km e 56 km, durando entre 38min e no máximo 52min”, reforça.
A pesquisadora explica também sobre os desafios de promover o acesso adequado a uma rede obstétrica regionalizada. “Embora algumas políticas busquem reduzir a distância de viagem, elas não definem referências específicas para o que é de fato a distância e o tempo aceitável para dar à luz”, diz. “A regulamentação atual estipula uma taxa de 0,28 leitos obstétricos para cada 1.000 habitantes dependentes do SUS, mas existem muitas diferenças regionais – tanto etária, como nas taxas de fecundidade e nas práticas de parto hospitalar ou domiciliar. É importante que as políticas deem conta dessa heterogeneidade dos territórios existentes no Brasil”.
Outro achado do estudo é que mulheres que enfrentaram óbito materno e/ou neonatal viajaram por distâncias e tempos maiores para dar à luz no SUS. Enquanto as mulheres com resultados normais no parto viajaram 74,9 km/85,0 min, elas viajaram 94,0 km/100,9 min no último biênio analisado (2018-2019) pela pesquisa. “Isso sugere que a distância e o tempo de viagem podem ser potenciais fatores de risco para mães e recém-nascidos, mas existem outros fatores a serem considerados, tal como o estado de saúde da gestante, a infraestrutura hospitalar ou o acesso ao pré-natal. […]. Em análises futuras, o uso de técnicas multivariadas se mostra fundamental para entender melhor como diferentes fatores, além do tempo e distância, contribuem para resultados maternos e neonatais adversos”, pontua a cientista.
O intervalo de tempo analisado buscou representar duas fases distintas da atenção materno-infantil, conforme definidas pela Portaria nº 1.459/2011 do Ministério da Saúde (MS), que instituiu a Rede Cegonha. “A Rede Cegonha tinha como objetivo melhorar o acesso e a qualidade do cuidado à gestante e ao bebê. Por isso, a gente quis acompanhar ao longo do tempo a mudança que poderia vir com essa política”, explicou Fonseca.
Com participação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o levantamento usou dados agregados nacionais do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS e os cientistas estimaram fluxos de viagens, distâncias e tempos entre os municípios de residência das mulheres e os hospitais.
Acesso ao artigo: “Geographic accessibility to hospital childbirths in Brazil (2010–2011 and 2018–2019): a cross-sectional study”
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