Poluição do ar e mudanças climáticas prejudicam saúde da gestante, do feto em desenvolvimento e do bebê após nascer


 

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) encontraram evidências robustas de que a poluição atmosférica e as mudanças climáticas têm efeitos nocivos na gestação, na saúde fetal e no pós-natal.

A partir de uma revisão crítica de 86 pesquisas dos últimos cinco anos, concluiu-se que ambos os fatores apresentam riscos concomitantes para a mãe e para o bebê, como restrição de crescimento fetal e parto prematuro. O estudo também evidenciou potenciais repercussões no bem-estar da criança a longo prazo, incluindo deficiências no neurodesenvolvimento e hipertensão.

Mariana Veras, primeira autora do artigo, é pesquisadora associada da FMUSP e coordena o Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental (LIM/05) do Hospital das Clínicas (HC). “Por muitos anos, acreditamos que a placenta era uma barreira intransponível de proteção, inclusive contra poluentes, mas o conhecimento avançou […] e hoje sabemos que ela tem uma capacidade limitada de lidar com agressões”, explica.

O trabalho foi feito em parceria com Paulo Saldiva, docente do Departamento de Patologia e pesquisador dos efeitos da poluição na saúde há mais de 35 anos.

 

Poluição do ar

Sobre o período da gravidez, os resultados indicam que a contaminação por dióxido de enxofre (SO2), dióxido de nitrogênio (NO2) e material particulado (MP) predispõe à diabetes gestacional. O NO2 e o MP também influenciam na progressão de distúrbios hipertensivos da gravidez e da pré-eclâmpsia.

Os mecanismos pelos quais isso ocorre ainda não estão claros, mas a pesquisadora infere que podem envolver estresse oxidativo e inflamação sistêmica — processos interligados que ocasionam resistência à insulina, disfunção endotelial e comprometem a função placentária. “A pré-eclâmpsia é uma condição de aumento de pressão materna que impõe um risco muito grande, tanto para o bebê como para mãe”, pontua.

O contato com esses compostos também aumenta em 15% a chance de ruptura prematura de membranas (RPM), vazamento do líquido amniótico antes do trabalho de parto que aumenta o risco de infecções e de prematuridade. Uma correlação menos expressiva foi estabelecida entre o contato com MP e o risco de aborto espontâneo.

Acerca da saúde fetal, há fortes evidências que associam a poluição ao baixo peso ao nascer. “Ocorre uma restrição de crescimento intrauterino, ou seja, a criança tem um potencial de evolução no útero, mas essa interferência faz com que ela não se desenvolva no seu potencial máximo”, afirma. A privação de nutrientes no útero pode levar a alterações metabólicas permanentes, tornando o indivíduo mais propenso a doenças cardiovasculares e resistência insulínica no futuro.

“Quando uma criança tem baixo peso, ela tem maior risco de necessidades e atendimentos maiores, e carrega o efeito desse baixo peso ao longo da vida: tem uma probabilidade muito maior de desenvolver obesidade e diabetes na vida adulta”.

A revisão também constatou que a exposição pré-natal a poluentes propicia malformações congênitas e obstáculos no neurodesenvolvimento da criança — como disfunções de memória e aprendizagem e retardo na aquisição de linguagem, habilidade numérica e funções sensório-motoras. Destaca-se relação com diagnósticos de transtornos do espectro autista, déficit de atenção e hiperatividade.

Outro estudo demonstrou que a exposição pós-natal ao MP pode levar a aumentos significativos na pressão arterial na infância e na adolescência. Quanto menor a partícula, maior o risco: para cada aumento unitário no material particulado, as chances de desenvolver hipertensão aumentam de 26 a 65%.

 

Mudanças climáticas

No patamar das mudanças climáticas, as evidências são menos conclusivas, devido à amplitude de desdobramentos a serem avaliados. Entretanto, Mariana aponta que a separação absoluta entre os fatores é inviável: “As alterações no clima são decorrentes da poluição do ar, e os efeitos da poluição são agravados pelo clima e vice-versa”.

A pesquisa identificou que a chance de um parto prematuro aumenta 5% por aumento de 1°C na temperatura, e 16% durante ondas de calor. Temperaturas mais altas também foram associadas à redução do peso ao nascer, e oito estudos mostraram um aumento de natimortos em 5% por aumento de 1°C.

Também há maior risco de doenças respiratórias durante a infância, como a asma. “Percebemos um aumento na hospitalização de crianças, recém-nascidos ou de até 5 anos, principalmente por infecções respiratórias”, ressalta a cientista.

Mulheres gestantes são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas devido às mudanças fisiológicas da gravidez. “O sistema imunológico delas está diferente, assim como as necessidades nutricionais, emocionais e hormonais”, afirma. Isso pode prejudicar a capacidade de lidar com estressores ambientais e aumentar o sofrimento em períodos de ondas de calor. Essa combinação de fatores também as torna suscetíveis a desafios de saúde mental: a pesquisadora alerta para associações com a depressão pós-parto, principalmente em cenários de eventos extremos e desastres.

 

Fatores socioeconômicos

De acordo com a OMS, mais de 90% das mortes relacionadas à poluição do ar ocorrem em países de baixa e média renda. A pesquisadora afirma que indicadores socioeconômicos são determinantes para a qualidade de vida da mulher e geram efeitos indiretos na saúde materna e infantil: a garantia de assistência médica e nutrição adequada já interfere no bem-estar da gestação. “A mãe precisa de uma alimentação rica, e a demanda [da dieta] dobra conforme a gestação avança”, afirma.

Eventos climáticos extremos podem comprometer a produção e distribuição de alimentos, ameaçando a segurança alimentar da gestante e levando a deficiências nutricionais no feto. Também podem ocorrer interrupções no acesso ao pré-natal e em serviços de apoio à maternidade, acometendo majoritariamente pessoas em situação de vulnerabilidade econômica.  “A gestação por si é um desafio para o corpo feminino. Em um cenário não ideal, tudo contribui para agravar os efeitos um do outro: a poluição, a escassez de recursos e as temperaturas extremas”, pondera Mariana.

O 1º Anuário Estadual de Mudanças Climáticas é um relatório publicado em janeiro de 2025 que traz uma radiografia detalhada das mudanças climáticas e políticas públicas em cada um dos Estados brasileiros. “Apenas quatro Estados têm planos de adaptação em termos de saúde”, comenta a cientista.

Na sua perspectiva, essa lacuna é decorrente da baixa regionalização dos estudos: a maioria apresenta resultados generalizados, enquanto as dificuldades enfrentadas diferem localmente. Pensando no futuro, ela conclui que “é preciso desenvolver estudos por região e por bairro dos efeitos de temperatura nos desfechos gestacionais”.

 

O artigo “Impact of air pollution and climate change on maternal, fetal and postnatal health” está disponível on-line e pode ser lido aqui.

 

Fonte:

Jornal da USP

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